Se por nada mais, a recente crise financeira tem tido o efeito positivo de aumentar o interesse de pessoas comuns em assuntos económicos. Não só há um aumento do escrutínio público por estatísticas macroeconómicas, mas há também uma procura activa por explicações causais e mesmo, por teorias económicas. Já de lamentar, é a maior confusão do que esclarecimento gerada por alguns dos transmissores dessas ideias: políticos, jornalistas, bloggers, etc..
Um exemplo recente centra-se na responsabilização – ou desresponsabilização – da crise de dívida que assola a zona euro. O que se observa é que, simultaneamente, um conjunto de países acumulou défices e dívidas externas (e.g. Portugal, Espanha, Grécia), ao passo que outros países acumularam excedentes externos (Alemanha, Holanda), gerando assim os desequilíbrios macroeconómicos que afectam hoje a comunidade europeia. O ónus da culpa é assim distribuído tanto para os países mais profligadores como para os mais parcimoniosos (e.g. aqui, aqui, e aqui – a desmontagem desta tese errónea terá de ficar para um comentário futuro). A virtude transforma-se em vício; países que iniciaram reformas estruturais, com políticas de moderação salarial e contenção da despesa tornam-se nos vilões, enquanto que países que investiram em sectores não competitivos – tal como a construção -, ou que mantiveram idades de reforma aos 55 anos e falsearam as estatísticas públicas tornam-se nos violentados – ou mesmo nos heróis.
O interessante é que esta interpretação da realidade é emoldurada sob a lógica quasi científica do Lord Keynes patente no seu paradoxo da poupança. A poupança das famílias é mesmo vista como o principal inibidor ao crescimento económico (veja-se este exemplo notável no Jugular). Obviamente que esta interpretação é abusiva em relação à lógica do paradoxo da poupança de Keynes e do papel da poupança no crescimento económico. Vamos tentar justificar esse abuso explicitando ambos os conceitos.
(para facilitar a leitura desta reflexão, este comentário será dividido em 3 partes: I, II, III)
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“O que se observa é que, simultaneamente, um conjunto de países acumulou défices e dívidas externas (e.g. Portugal, Espanha, Grécia),”
Penso que a Espanha não acumulou deficits nem dividas – até à crise ter começado até era dos poucos estados europeus (do mundo?) que tinha superavit.
Agora tem deficits, mas isso é uma consequência da crise económica (que fez reduzir as receitas e aumentar as despesas)
Olá Miguel,
Talvez não tenha sido muito explícito mas estava-me a referir às contas externas dos países (saldo da conta corrente e da conta de capital) e não propriamente ao saldo orçamental – embora ambos estejam relacionados. Relativamente à conta corrente, nos últimos 12 meses, a Espanha foi mesmo o país que teve o défice mais significativo do mundo logo a seguir aos EUA – quase 10% do PIB. E na última década tem vindo a ter sistematicamente necessidade de financiamento externo – o que se traduz num crescimento da dívida externa do país.
Excelente. Simples e claro.